Resumo do capítulo 1 ao capítulo 8

Milagre de sua Onipotencia e abismo da graça

Historia Divina, vida da Virgem Mãe de Deus, Rainha,e Senhora Nossa Maria Santíssima,

Restauradora da culpa de Eva, e Medianeira da Graça.

Por Madre Sor Maria de Jesus de Ágreda

Omnia sub Correctione Sanctae Romanae Ecclesiae

MÍSTICA CIDADE DE DEUS

5. Vi um grande sinal no céu e signo misterioso; vi uma mulher, uma senhora e rainha belíssima, coroada de estrelas, vestida do sol e a lua a seus pés (Ap., 12, 1).

Disseram-me os santos anjos: Esta é aquela ditosa mulher que viu São João no Apocalipse, e onde estão encerrados, depositados e selados os mistérios maravilhosos da Redenção.

Favoreceu tanto o Altíssimo e Todo-poderoso a esta criatura, que a nós seus espíritos causa admiração.

9. Respondeu-me a Virgem Santíssima: Filha minha, o mundo está muito necessitado desta doutrina, porque não sabe, nem tem devida reverencia ao Senhor Onipotente; e por esta ignorância, a audácia dos mortais provoca a retidão de sua justiça para afligi-los e oprimi-los e estão possuídos de seu esquecimento e obscurecidos com suas trevas, sem saber buscar o remédio nem atinar com a luz; e isto lhes vêm por faltar-lhes o temor e reverencia que deviam ter. - estes e outros avisos me deram o Altíssimo e a rainha para manifestar-me sua vontade nesta obra.

10. "Na primitiva Igreja não os manifestei, porque são mistérios tão magníficos, que se detivessem os fieis em esquadrinhá-los e admira-los, quando era necessário que a lei de graça e o evangelho se estabelecesse; e ainda que tudo fosse compatível, mas a ignorância humana poderia padecer alguns receios e duvidas, quando estava tão em seus princípios a fé da encarnação e redenção e os preceitos da nova lei evangélica; por isto disse a pessoa do Verbo humanado a seus discípulos na última ceia: Muita coisa tinha que dizer-vos, mas não estais agora dispostos para recebê-las (Jn., 16, 12). Os que têm ouvidos de ouvir, ouçam, os que têm sede, venham às cisternas dissipadas (Je., 2, 13) os que querem luz, sigam-na até o fim.- isto disse o Senhor Deus onipotente."

CAPITULO 3

Da inteligência que tive da divindade e do decreto que Deus teve de criar todas as cosas.

27. Vi ao Altíssimo com o entendimento, como estava Sua Alteza em si mesmo, e tive clara inteligência com uma noticia verdadeira de que é um Deus infinito em substancia e atributos, eterno, suma trindade em três pessoas e um só Deus verdadeiro; três, porque se exercitam nas operações de conhecer-se, compreender e amar-se; e apenas um, por conseguir o bem da unidade eterna. É trindade de Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai não é feito, nem criado, nem engendrado, nem pode se-lo, nem ter origem. Conheci que o Filho vem do Pai apenas por eterna geração e são iguais em duração de eternidade e é engendrado da fecundidade do entendimento do Pai. O Espírito Santo procede do Pai e do Filho por amor. Nesta individual Trinidade não há coisa que se possa dizer primeira nem posterior, maior nem menor; todas três pessoas em si são igualmente eternas e eternamente iguais; que é uma unidade de essência em trindade de pessoas e um Deus na individual trindade e três pessoas na unidade de uma substância. E não se confundem as pessoas por ser um Deus, nem se aparta ou se divide a substância por serem três pessoas; e sendo distintas no Pai, no Filho e no Espírito Santo, é uma mesma a divindade, igual a gloria e a majestade, o poder, a eternidade, imensidade, sabedoria e santidade e todos os atributos. E ainda que são três as pessoas em quem subsistem estas perfeições infinitas, é um só o Deus verdadeiro, o santo, justo, poderoso, eterno e sem medida.

30. Vi ao Senhor com estava antes de criar coisa alguma e com admiração reparei onde tinha seu assento o Altíssimo, porque não havia céu empíreo, nem os demais inferiores, nem sol, lua nem estrelas, nem elementos, e apenas estava o Criador sem have-lo criado. Tudo estava deserto, sem o ser dos anjos, nem dos homens, nem dos animais; e por isto conheci que de necessidade se havia de conceder estava Deus em seu mesmo ser e que de nenhuma coisa das que criou teve necessidade, nem as tinha carencia, porque tão infinito era em atributos antes de cria-las como depois; e em toda sua eternidade os teve e os terá, por estar como em sujeito independente e incriado, e nenhuma perfeição pode faltar a sua divindade.

31. Conheci, pois, que no estado de seu mesmo ser estava o Altíssimo, quando entre as três divinas pessoas -a nosso entender- se decretou o comunicar suas perfeições de maneira que fizessem dons delas. E é de advertir, para melhor declarar-me, que Deus entende todas as coisas com um ato em si mesmo indivisível e simplicíssimo e sem discurso; e não procede do conhecimento de uma coisa a conhecer outra, como nós procedemos, discorrendo e conhecendo primeiro uma com um ato do entendimento e logo outra com outro; porque Deus todas as conhece juntamente de uma vez, sem que haja em seu entendimento infinito primeiro nem posterior, que ali todas estão juntas na noticia e ciência divina increada, como o estão no ser de Deus, de onde se encerram e contém como em primeiro principio.

CAPITULO 4

37. Duas coisas me admiram, suspendem e enternecem meu tíbio coração, deixando aniquilado neste conhecimento e luz que tenho: a primeira é aquela inclinação e peso que vi em Deus e a força de sua vontade para comunicar sua divindade e os tesouros de sua gloria; a segunda é a imensidade inefável e incompreensível dos bens e dons que conheci queria distribuir, e nesta inclinação e desejo que sua grandeza tinha, conheci estava disposto para santificar, justificar e encher de dons e perfeições a todas as criaturas juntas e a cada uma por si, dando a cada uma mais que tem todos os santos anjos e serafins todos juntos, ainda que as gotas do mar e suas areias, as estrelas, plantas, elementos e todas as criaturas irracionais foram capazes de razão e de seus dons, como de sua parte se dispuseram e não tuvieram limite que o impedisse.Oh! terrivibilidade do pecado e seu malicia, que apenas isso basta para deter a impetuosa corrente de tantos bens eternos!

38. O segundo instante foi conferir e decretar esta comunicação da divindade com a razão e motivos de que fosse para maior gloria ad extra e exaltação de Sua Majestade com a manifestação de sua grandeza. E esta exaltação própria mirou Deus neste instante como fim de comunicar se e dar se a conhecer na liberalidade de derramar seus atributos e usar de sua onipotência, para ser conhecido, adorado e glorificado.

39. O terceiro instante foi conhecer e determinar a ordem e disposição ou o modo desta comunicação na forma que se consiguisse o mais glorioso fim de fazer tão árdua determinacão: ou ordem que havia de haver nos objetos e o modo e diferença de comunicar a divindade e atributos; de sorte que o Senhor teve razão e proporção entre eles e tivesse sempre a mais bela e admirável disposição, harmonia e subordinação. Neste instante se determinou em primeiro lugar que o Verbo divino tomasse carne e se fizesse visível e se decretou a perfeição e compostura da humanidade Santíssima de Cristo Nosso Senhor e ficou fabricada na mente divina; e em segundo lugar, para os demais humanos à sua imitação, ideando a mente divina a harmonia da humana natureza com sua beleza e compostura de corpo orgânico e alma para ele, com suas potencias para conhecer e amar seu Criador, discernindo entre o bem e o mal, com vontade livre para amar ao Senhor.

40. E esta união hipostática da segunda pessoa da Santíssima Trindade com a natureza humana, entendi que era como forçoso fosse a primeira obra e objeto onde primeiro saisse o entendimento e vontade divina ad extra, por altíssimas razões que não poderei explicar com facilidade. Uma é porque, depois de haver Deus entendido e amado em si mesmo, a melhor ordem era conhecer e amar ao que era mais imediato a sua divindade, o qual é a união hipostática. Outra razão é porque também devia a divindade substancialmente comunicar se ad extra, havendo comunicado ad intra, para que a intenção e vontade divina começasse pelo fim mais alto de suas obras e se comunicassem seus atributos com belíssima ordem; e aquele fogo da divindade faz o primeiro e tudo o possível no que estava mais imediato a si, como foi a união hipostática, e primeiro comunicar sua divindade a quem teria de chegar ao mais alto e excelente grau depois do mesmo Deus em seu conhecimento e amor, operações e glória de sua mesma divindade;

41. O quarto instante foi decretar os dons e graças que se lhe haviam de dar a humanidade de Cristo Senhor nosso, unida com a divinidade. Aqui despregou o Altíssimo a mão de sua liberal onipotência e atributos para enriquecer aquela humanidade Santíssima e Alma de Cristo com a abundancia de dons e graças na plenitude e grau possível. E neste instante se determinou o que disse depois David (Sal., 45, 5); o impeto do rio da divindade alegra a cidade de Deus, encaminándo-se a corrente de seus dons a esta humanidade do Verbo, comunicando-lhe toda a ciência infusa e beata, graça e gloria, de que sua alma santíssima era capaz e convinha ao ser que juntamente era Deus e homem verdadeiro e cabeça de todas as criaturas capazes da graça e gloria, que daquela impetuoso corrente havia de resultar nelas com a ordem que resultou.

42. A este mesmo instante, conseguintemente e como em segundo lugar, pertence o decreto e predestinação da Mãe do Verbo humanado; porque aqui entendi foi ordenada esta pura criatura, antes que houvesse outro decreto de criar outra alguma. e assim foi primeiro que todas concebida na mente divina, como e qual pertencia e convinha a dignidade, excelência e dons da humanidade de seu Filho santíssimo; e a ela se encaminhou logo imediatamente com ele todo o impeto do rio da divindade e seus atributos, quanto era capaz de receber-lhe uma pura criatura e como convinha para a dignidade de Mãe .

46. Passo ao quinto instante, foi determinada a criação da natureza angélica que, por ser mais excelente e correspondente em ser espiritual a divindade, foi primeiro prevista, e decretada sua criação e disposição admirável dos nove coros e três hierarquias. e sendo criados de primeira intenção para gloria de Deus e assistir a sua divina grandeza e que lhe conhecessem e amassem, conseguinte e secundariamente foram ordenados para que assistissem, glorificassem e honrassem, reverenciassem e servissem a humanidade deificada no Verbo eterno, reconhecendo Cristo por cabeça, e em sua Mãe santíssima Maria, rainha dos mesmos anjos, e lhes fosse dada companhia aos homens para que por todos seus caminhos os levassem nas mãos (Sal., 90, 12). e neste instante lhes mereceu Cristo Senhor nosso com seus infinitos merecimentos, presentes e previstos, toda a graça que recebessem; e foi instituído por sua cabeça, exemplar e supremo Rei, de quem eram vassalos; e ainda que fora infinito o número dos anjos, foram suficentissimos os méritos de Cristo para merecer-lhes a graça.

47. A este instante toca a predestinação dos bons e reprovação dos maus anjos; e nisto viu e conheceu Deus, com sua infinita ciência, todas as obras dos uns e dos outros com a ordem devida, para predestinar com sua livre vontade e liberal misericórdia aos que lhe haviam de obedecer e reverenciar e para reprovar com sua justiça aos que se haviam de levantar contra Sua Majestade em soberba e inobediência por seu desordenado amor próprio. E ao mesmo instante foi a determinação de criar o céu empíreo, onde se manifestasse sua gloria e premiasse nela aos bons, e a terra e o demais para outras criaturas, e no centro o profundo dela o inferno para castigo dos maus anjos.

48. No sexto instante foi determinado criar povo e congregação de homens para Cristo, já antes predeterminado na mente e vontade divina, e a cuja imagem e semelhança se decretou a formação do homem, para que o Verbo humanado tiveese irmãos semelhantes e inferiores e povo de sua mesma natureza, de quem fosse cabeça. Neste instante se determinou a ordem da criação de toda a linhgem humana, que começasse de um só e de uma mulher e deles se propagasse até a Virgem e seu Filho. Ordenou-se pelos merecimentos de Cristo nosso bem, a graça e dons que se lhes havia de dar e a justiça original queriam perseverar nela; vi a caída de Adão e de todos nele, fora da rainha, que não entrou neste decreto; Ordenou-se o remédio e que fosse passivel a humanidade santíssima; foram escolhidos os predestinados por liberal graça e reprovados os prescitos pela reta justiça; Ordenou-se todo o necessário e conveniente a conservação da natureza e a conseguir este fim da redenção e predestinação, deixando a vontade livre aos homens, porque isto era mais conforme a sua natureza e a equidade divina; e não se lhes fez agravo, porque se com o livre arbítrio puderam pecar, com a graça e luz da razão puderam não fazê-lo, e Deus a ninguém havia de violentar, como tampouco a ninguém falta nem nega o necessário; e se escreveu sua lei em todos os corações humanos, nenhum tem desculpa em não lhe reconhecer e amar como ao sumo bem e autor de todo o criado.

CAPITULO 5

Das inteligências que me deu o Altíssimo da Escritura Sagrada, em confirmação do capitulo precedente; são do oitavo dos Provérbios.

(Prov., 8, 22-31).

54. Até aqui é o lugar dos Provérbios, cuja inteligência me deu o Altíssimo. e primeiro entendi que falava das ideas ou decreto que teve em sua mente divina antes de criar ao mundo; e que a letra falava da pessoa do Verbo humanado e de sua Mãe santíssima, , antes de fazer decreto e formar as ideas para criar ao resto das criaturas materiais, as teve, e se decretou a humanidade santíssima de Cristo e de sua Mãe puríssima; e isto são as primeiras palavras:

55. O Senhor me possuiu no principio de seus caminhos. Em Deus no tinha caminhos, nem sua divindade os havia ministre, mas os fez para que por eles lhe conhecissemos e fossemos a ele todas as criaturas capazes de seu conhecimento. Neste principio, antes que outra coisa alguma fabricasse em sua idea e quando queria fazer sendas e abrir caminhos em sua mente divina, para comunicar sua divindade, para dar principio a tudo, decretou primeiro criar a humanidade do Verbo, que havia de ser o caminho por onde os demais haviam de ir ao Pai (Jn., 14, 6). e junto com este decreto esteve o de sua Mãe Santíssima, por quem havia de vir sua divindade ao mundo, formando-se e nascendo dela Deus e homem.

58. Antes que se fizesse a terra, ainda não eram os abismos e eu estava concebida. Esta terra foi a do primeiro Adão; e antes que sua formação se decretasse e na divina mente se formassem os abismos das ideas ad extra, estavam Cristo e sua Mãe ideados e formados. E chama abismos, porque entre o ser de Deus increado e o das criaturas há distância infinita; e esta se mediou, a nosso entender, quando foram as criaturas apenas idealizadas e formadas, que então também foram formados em seu modo aqueles abismos de distancia imensa. e antes de tudo isto já estava concebido o Verbo, não apenas pela geração eterna do Pai, mas também estava decretada e na mente divina concebida a geração temporal de Mãe Virgem e cheia de graça, porque sem a Mãe , não se podia determinar com eficaz e cumprido decreto esta temporal geração. Ali, pois, e então foi concebida Maria santíssima naquela imensidade beatifica; e sua memória eterna foi escrita no peito de Deus, para que por todos os séculos e eternidades nunca se apagasse; ficou estampada e desenhada pelo supremo Artifice em sua própria mente e com seu amor com inseparável abraço.

59. Ainda não haviam rompido as fontes das águas. Ainda não haviam saido de sua origem e principio as imagens ou ideas das criaturas; porque não haviam rompido as fontes da divindade pela bondade e misericórdia como por conductos, para que a vontade divina se determinasse a criação universal e comunicação de seus atributos e perfeições.

60. Nem os montes se haviam assentado com seu grave peso, porque Deus não havia decretado então a criação dos altos montes, dos patriarcas, profetas, apóstoles e mártires, etc., nem os demais santos de maior perfeição; nem o decreto de tão grande determinação se havia assentado com seu grave peso e equidade, com o forte e suave modo (Sab., 8, 1) que Deus tem em seus conselho e grandes obras.

CAPITULO 6

76." Eu quero que os sacramentos da redenção se reconheçam e estimem e sempre se tenham presentes para dar-me o retorno; mas quero assim mesmo que os mortais reconheçam ao Verbo humanado por sua cabeça e causa final da criação de todo o restante da humana natureza, porque ele foi, depois de minha própria benignidade, o principal motivo que tive para dar ser as criaturas; e assim, deve ser reverenciado, não apenas porque redimiu a linhagem humana, mas também porque deu motivo para sua criação.

E por esta causa, o furor do inferno com incrível inveja -e muito mais nestes tempos presentes- tem levantado seu trono de iniqüidade, impugnando a verdade e pretendendo encher o Jordão (Job., 40, 18) com heresias e doutrinas falsas e obscurecer a luz da fé santa, contra quem tem derramado seu falso ensinamento, ajudado por alguns homens. Mas o restante da Igreja e suas verdades estão em grau perfeitissimo e os fiéis católicos, ainda que muito envoltos e cegos em outras misérias, mas a verdade da fé e sua luz a tem perfeitissima e, ainda que chamo a todos com paternal amor a esta dita, são poucos os eleitos que me querem responder.

CAPITULO 7

81. O do cap. 1 do Gênesis diz desta maneira: no principio criou Deus o céu e a terra, e estava a terra sem frutos e vazia e as trevas estavam sobre a o abismo e o espírito do Senhor era levado sobre as águas. E disse Deus: seja feita a luz, e foi feita a luz. E viu Deus a luz que era boa e dividiu-a e a separou das trevas; e a luz chamou dia e as trevas noite; e foi feito dia de tarde e manhã (Gén., 1, 1-5), etc. neste dia primeiro, disse Moisés, que não principio criou Deus o céu e a terra, porque este principio foi o que deu o todo-poderoso Deus, estando em seu ser imutavel, como saindo dele a criar fora de si mesmo as criaturas, que então começaram a ter ser em si mesmas e Deus como a recrear-se em seus feitos, como obras adequadamente perfeitas. E para que a ordem fosse também perfeitissima, antes de criar criaturas intelectuais e racionais, formou o céu para os anjos e homens e a terra onde primeiro os mortais haviam de ser viadores; lugares tão proporcionados para seus fins e tão perfeitos, que, como David (Sal., 18, 2) disse, os céus publicam a glória de Deus, o firmamento e a terra anunciam as obras de suas mãos. Os céus com sua beleza manifestam a magnificência e gloria, porque são depósito do premio previsto para os santos; e o firmamento da terra anuncia que hão de haver criaturas e homens que a habitem e por ela caminhem a seu Criador. E antes de cria-los quer o Altíssimo prover-lhes e criar o necessário para isto e para a vida que lhes havia de mandar viver; para que de todas as partes se achem compelidos a obedecer e amar a seu Criador e Bem-Feitor e que por suas obras (Rom., 1, 20) conheçam seu nome admirável e infinitas perfeições.

82. Da terra, disse Moisés, que estava vazia, e não o disse do céu; porque neste criou os anjos no instante quando disse Moisés: Disse Deus: seja feita a luz, e foi feita a luz; porque não falava apenas a luz material, mas sim , também das luzes angélicas ou intelectuais, mas foi muito legitima a metáfora da luz para significar a natureza angélica, e misticamente a luz da ciência e graça com que foram iluminados em sua criação. E criou Deus com o céu empíreo a terra juntamente, para formar em seu centro o inferno; porque naquele instante que foi criada, pela divina disposição ficaram em meio deste globo cavernas muito profundas e dilatadas, capazes para inferno, limbo e purgatório; e no inferno, ao mesmo tempo foi criado fogo material e as demais coisas que ali servem agora de pena aos condenados. Havia de dividir logo o Senhor a luz das trevas e chamar a luz dia e as trevas noite; e não apenas sucedeu isto entre a noite e dia naturais, mas entre os anjos bons e maus, que aos bons deu a luz eterna de sua vista, e a chamou dia, e dia eterno; e aos maus chamou noite do pecado e foram arrojados nas eternas trevas do inferno; para que todos entendamos quão juntas andaram a liberalidade misericordiosa de criador e vivificador e a justiça de retissimo juiz no castigo.

83. Foram os anjos criados no céu empíreo e em graça, para que com ela tivessem o merecimento ao premio da gloria; que ainda que estavam no lugar dela, não se lhes havia mostrado a divindade face à face e com clara noticia, até que com a graça o mereceram os que foram obedientes a vontade divina. E assim estes Anjos Santos, como os demais apóstatas, duraram muito pouco no primeiro estado de viadores; porque a criação, estado e término, foram em três estâncias ou espaço divididos com algum intervalo em três instantes. No primeiro foram todos criados e adornados com graça e dons, tornando-se belíssimas e perfeitas criaturas. A este instante se seguiu um espaço, em que a todos lhes foi proposta e intimada a vontade de seu Criador, e se lhes posto lei e preceito de realizar, reconhecendo por supremo Senhor, e para que cumprissem com o fim para que os havia criado. Nesta espaço, estância ou intervalo sucedeu entre São Miguel e seus anjos, com o dragão e os seus, aquela grande batalha que disse São João no cap. 12 do Apocalipse (V., 7); e os bons anjos, perseverando em graça, mereceram a felicidade eterna e os desobedientes, levantando-se contra Deus, mereceram o castigo que tem.

84. Ee ainda que neste segundo espaço, pode suceder tudo muito brevemente, segundo a natureza angélica e o poder divino, mas entendi que a piedade do Altíssimo se estendeu um pouco e com algum intervalo lhes propôs o bem e o mal, a verdade e falsidade, o justo e o injusto, sua graça e amizade e a malicia do pecado e inimizade de Deus, o premio e o castigo eterno e a perdição para Lúcifer e os que lhe seguissem; e lhes mostrou Sua Majestade o inferno e suas penas e eles o viram todo, que em sua natureza tão superior e excelente todas as coisas se podem ver, como elas são em si mesmas, sendo criadas e limitadas; de sorte que, antes de cair da graça, viram claramente o lugar do castigo. e ainda que não conhecesse por este modo o premio da gloria, mas tiveram dela outra noticia e a promessa manifesta e expressa do Senhor, com que o Altíssimo justificou sua causa e fez com suma equidade e retidão. E porque toda esta bondade e justificação não bastou para deter a Lúcifer e a seus sequazes, foram, como pertinazes, castigados e lançados no profundo das cavernas infernais e os bons confirmados em graça e gloria eterna. E isto foi todo no terceiro instante, em que se conheceu de fato que nenhuma criatura, fora de Deus, é impecável por natureza; pois o anjo, que a tem tão excelente e a recebeu adornada com tantos dons de ciência e graça, ao fim pecou e se perdeu.

85. Resta saber o motivo que tiveram em seu pecado Lúcifer e seus confederados e de que tomaram ocasião para sua inobediência e caída. E nisto entendi que puderam cometer muitos pecados secundum reatum, ainda que não cometeram os atos de todos; mas dos que cometeram com sua depravada vontade, lhes ficou hábito para todos os maus atos, induzindo a outros, e aprovando o pecado, que por si mesmos não podiam fazer. E segundo o mal afeto que de presente teve então Lúcifer, incorreu em desordenadissimo amor de si mesmo; e lhe nasceu de ver-se com maiores dons e beleza de natureza e graças que os outros anjos inferiores. Neste conhecimento se deteve demasiado; e o agrado que de si mesmo teve lhe retardou e entibiou no agradecimento que devia a Deus, como a causa única de todo o que havia recebido. E volvendo-se a re-olhar, agradou-se de novo de sua beleza e graças e amou-as como suas; e este desordenado afeto próprio não apenas lhe fez levanter-se com o que havia recebido de outra superior virtude, mas também lhe obrigou a invejar e desejar outros dons e excelências distantes que não tinha.E porque não as pode conseguir, concebeu mortal ódio e indignação contra Deus, que do nada lhe havia criado, e contra todas as suas criaturas.

86. Da aqui se originaram a desobediência, presunção, injustiça, infidelidade, blasfêmia e ainda quase alguma espécie de idolatria, porque desejou para si a adoração e reverencia devida a Deus. Blasfemou de sua divina grandeza e santidade, faltou a fé e lealdade que devia, pretendeu destruir todas as criaturas e presumiu que poderia tudo isto e muito mais; e assim sempre sua soberba sobe (Sal., 73, 23) e persevera, ainda que sua arrogância seja maior que sua fortaleza (Is., 16, 6), porque onde está não pode crescer e no pecado um abismo chama a outro abismo (Sal., 41, 8). O primeiro anjo que pecou foi Lúcifer, como consta do capitulo 14 de Isaias (Is., 14, 12), e este induziu a outros a que lhe seguissem; e assim se chama príncipe dos demônios, não por natureza, que por ela não pode, ter este titulo, mas sim pela culpa. E não foram os que pecaram de só um ordem ou hierarquia, mas sim de todas cairam muitos.

87. E para manifestar, como me tem mostrado, que honra e excelência foram o que com soberba apeteceu e invejou Lúcifer, advirto que, como nas obras de Deus há equidade, peso e medida (Sab., 11, 21), antes que os anjos se pudessem inclinar a diversos fins, determinou sua providencia manifestar-lhes imediatamente depois de sua criação o fim para que os havia criado de natureza tão alta e excelente. E de tudo isto tiveram ilustração nesta maneira: primeiro, tiveram inteligência muito expressa do ser de Deus, um em substância e trino em pessoas, e receberam preceito de que lhe adorassem e reverenciassem como a seu Criador e Sumo Senhor, infinito em seu ser e atributos. A este mandato se renderam todos e obedeceram, mas com alguma diferença; porque os anjos bons obedeceram por amor e justiça, rendendo seu afeto de boa vontade, admitindo e crendo o que era sobre suas forças e obedecendo com alegria; mas Lúcifer se rendeu por parecer lhe ser o contrario impossível. E não o fez com caridade perfeita, porque dividiu a vontade em si mesmo e na verdade infalível do Senhor; e isto lhe causou que o preceito se tornasse algo violento e dificultoso e não cumpriu com afeto cheio de amor e justiça; e assim se dispôs para não perseverar nele. E ainda que não lhe tirou a graça esta remissão e tibieza em fazer estes primeiros atos com dificuldade, mas daqui começou sua má disposição, porque teve alguma debilidade e fraqueza na virtude e espírito e sua beleza não resplandeceu como devia. E, a meu parecer, o efeito que fez em Lúcifer esta remissão e dificuldade foi semelhante ao que faz na alma um pecado venial advertido; mas não afirmo que pecou venial nem mortalmente então, porque cumpriou o preceito de Deus; mas foi remiso e imperfeito este cumprimento e mais por compelir-lhe a força da razão que por amor e vontade de obedecer; e assim se dispôs a cair.

88. Em segundo lugar, lhes manifestou Deus havia de criar uma natureza humana e criaturas racionais inferiores, para que amassem, temessem e reverenciassem a Deus, como a seu autor e bem eterno, e que a esta natureza havia de favorecer muito; e que a segunda pessoa da mesma Trindade Santíssima se havia de humanar e fazer-se homem, levantando a natureza humana a união hipostática e Pessoa Divina, e que a aquele suposto homem e Deus haviam de reconhecer por Cabeça, não apenas em quanto Deus, mas juntamente em quanto homem, e lhe haviam de reverenciar e adorar; e que os mesmos Anjos haviam de ser seus inferiores em dignidade e graças e seus servos. E lhes deu inteligência da conveniência e equidade, justiça e razão, que nisto havia; porque a aceitação dos merecimentos previstos daquele homem e Deus lhes havia merecido a graça que possuiam e a gloria que possuiriam; e que para gloria dele mesmo haviam sido criados eles e todas as outras criaturas o seriam, porque a todas havia de ser superior; e todas as que fossem capazes de conhecer e amar a Deus, haviam de ser povo e membros daquela cabeça, para reconhecer-Lo e reverencia-Lo. E de tudo isto se lhes deu logo mandato aos anjos.

89. A este preceito todos os obedientes e santos anjos se renderam e prestaram obediência e obsequio com humilde e amoroso afeto de toda sua vontade; mas Lúcifer com soberba e inveja resistiu e provocou aos anjos, seus sequazes, a que fizessem o mesmo, como de fato o fizeram, seguindo a ele e desobedecendo ao divino mandato. Persuadiu-lhes o mal príncipe que seria sua cabeça e que teriam principado independente e separado de Cristo. Tanta cegueira pode causar em um anjo a inveja e soberba e um afecto tão desordenado, que fosse causa e contagio para comunicar a tantos o pecado.

90. Aqui foi a grande batalha, que São João disse (Ap., 12, 7) sucedeu no céu; porque os Anjos obedientes e Santos, com ardente zelo de defender a gloria do Altíssimo e a honra do Verbo humanado previsto, pediram licença e como beneplácito ao Senhor para resistir e contradizer ao dragão, e lhes foi concedido esta permissão. Mas sucedeu neste outro mistério: que quando se lhes propôs a todos os anjos haviam de obedecer ao Verbo humanado, lhes mostrou outro terceiro preceito, de que haviam de ter juntamente por superiora a uma Mulher, em cujas entranhas tomaria carne humana este Unigênito do Pai; e que esta mulher havia de ser sua Rainha e de todas as criaturas e que se havia de assinalar e avantajar a todas, angélicas e humanas, nos dons de graça e gloria. Os bons anjos, em obedecer este preceito do Senhor, adiantaram-se e engrandeceram sua humildade e com ela lhe admitiram e adoraram o poder e sacramentos do Altíssimo; mas Lúcifer e seus confederados, com este preceito e mistério, se levantaram a maior soberba e desvanecimento; e com desordenado furor apeteceu para si a excelência de ser cabeça de toda a linhagem humana e ordens angélicas e que, si havia de ser mediante a união hipostática, fosse com ele.

91. E em quanto ao ser inferior a Mãe do Verbo humanado e senhora nossa, o resistiu com horrendas blasfêmias, convertendo-se em desbocada indignação contra o Autor de tão grandes maravilhas; e provocando aos demais, disse este dragão: "Injustos são estes preceitos e a minha grandeza se sente agravada; e a esta natureza, que tú, Senhor, olhas com tanto amor e propõe favorecer tanto, eu a perseguirei e destruirei e nisto empenharei todo meu poder e cuidado. E a esta mulher, Mãe do Verbo, a derrubarei do estado em que a prometes por e a minhas mãos perecerá teu intento.

92. Este soberbo desvanecimento enojou tanto ao Senhor, que humilhando a Lúcifer lhe disse: Esta mulher, a quem não tens querido respeitar, te quebrantará a cabeça (Gén., 3, 15) e por ela serás vencido e aniquilado. E si por tua soberba entrará a morte no mundo (Sab., 2, 24), por a humildade desta mulher entrará a vida e a saúde dos mortais; e de sua natureza e espécie destes dois terão o premio e coroas que tú e teus sequazes haveis perdido.- E a tudo isto replicava o dragão com indignada soberba contra o que entendia da divina vontade e seus decretos; Ameaçava a toda a linhagem humana, e os anjos bons conheceram a justa indignação do Altíssimo contra Lúcifer e os demais apostatas e com as armas do entendimento, da razão e verdade peleavam contra eles.

93. Fez aqui o Todo poderoso outro mistério maravilhoso: que havendo manifestado por inteligência a todos os anjos o sacramento da união hipostática, lhes mostrou a Virgem Santíssima em um sinal ou espécie, ao modo de nossas visões imaginarias, segundo nosso modo de entender. E assim lhes deu a conhecer e representou a humana natureza pura em uma mulher perfeitissima, em quem o braço poderoso do Altíssimo havia de ser mais admirável que em todo o resto das criaturas, porque nela depositava as graças e dons de sua destra em grau superior e eminente. Esta sinal e visão da Rainha do Céu e Mãe do Verbo humanado foi notória e manifesta a todos os anjos bons e maus. E os bons a sua vista cairam em admiração e cânticos de glória e desde então começaram a defender a honra de Deus humanado e seu Mãe Santíssima, armados com este ardente zelo e com o escudo inexpugnável daquele sinal. E, pelo o contrario, o dragão e seus aliados conceberam implacável furor e sana contra Cristo e sua Mãe santíssima; e sucedeu tudo o que contém o cap. 12 do Apocalipse, cuja declaração, como me foi dado, colocarei no capitulo que se segue.

CAPITULO 8

(Ap., 12, 1-18).

95. Apareceu no céu uma grande sinal, uma mulher coberta do sol e debaixo de seus pés a lua e coroada a cabeça com doze estrelas. Este sinal apareceu verdadeiramente no céu por vontade de Deus, que, propôs manifestar aos bons e maus anjos, para que a sua vista determinassem suas vontades a obedecer os preceitos de seu beneplácito; e assim a viram antes que os bons se determinassem ao bem e os maus ao pecado; e foi como sinal de quão admirável havia de ser Deus na fábrica da humana natureza. E ainda que dela lhes havia dado aos anjos noticia, revelando-lhes o mistério da união hipostática, mas quis manifestar por diferente modo em pura criatura e na mais perfeita e santa que, depois de Cristo nosso Senhor, havia de criar. E também foi como sinal para que os bons anjos se asegurassem que pela desobediência dos maus, ainda que Deus estivesse ofendido, não deixaria de executar o decreto de criar aos homens; porque o Verbo humanado e aquela mulher Mãe lhe obrigariam infinitamente muito mais que os desobedientes anjos podiam desobligar-lhe. Foi também como arco-iris no céu depois do dilúvio (Gén., 9, 13)- para que assegurasse que, se os homens pecassem como os anjos e fossem desobedientes, não seriam castigados como eles sem remissão, mas que lhes daria saudável medicina e remédio por meio daquele maravilhoso sinal. E foi como dizer aos anjos: Não castigarei eu desta maneira as criaturas que hei de criar, porque da natureza humana descenderá esta mulher em cujas entranhas tomará carne meu Unigênito, que será o restaurador de minha amizade e apaziguará minha justiça e abrirá o caminho da felicidade, que cerrará a culpa.

96. Em testemunho disto, o Altíssimo, a vista daquela sinal, depois que os anjos desobedientes foram castigados, se mostrou aos bons anjos como desenjoado e aplacado da ira que a soberba de Lúcifer lhe havia ocasionado e, a nosso entender, se alegrava com a presença da Rainha do Céu , representada naquela imagem; dando a entender aos anjos santos que poderia nos homens, por meio de Cristo e sua Mãe, a graça e dons que os apostatas por sua rebeldia haviam perdido. Teve também outro efeito aquela grande sinal nos anjos bons, que como da porfia e contenda com Lúcifer estavam, a nosso modo de entender, como afligidos e contristados e, quase turbados, quis o Altíssimo que com a vista daquela sinal se alegrassem e com a gloria essencial se lhes acrescentasse esta felicidade acidental, merecido também pela vitoria contra Lúcifer; e vendo aquela amostra de clemência, que se lhes mostrava em sinal de paz (Est., 4, 11), conhecessem logo que não se entendia com eles a lei do castigo, pois haviam obedecido a divina vontade e a seus preceitos. Entenderam assim mesmo os Santos Anjos nesta visão muito dos mistérios e sacramentos da encarnação que nela se encerravam e da Igreja militante e seus membros; e que haviam de assistir e ajudar a linhagem humana, guardando aos homens e defendendo-os de seus inimigos e encaminhando-os a eterna felicidade, e que eles mesmos a recebiam pelos merecimentos do Verbo humanado; e que os havia preservado Sua Majestade em virtude do mesmo Cristo, previsto em sua mente divina.

97. E como todo isto foi de grande alegria e bem para os bons anjos, foi também de grande tormento para os maus e como principio e parte de seu castigo, que logo conheceram, do que não se haviam aproveitado, e que aquela mulher os havia de vencer e quebrantar a cabeça (Gén., 3, 15). Todos estes mistérios, e muitos que não posso explicar, compreendeu o evangelista neste capitulo e mais nesta sinal grande; ainda que o refere em obscuridade e enigma, até que chegasse o tempo.

98. O sol, de que disse estava coberta a mulher, é o Sol verdadeiro de justiça; para que os anjos entendessem a vontade eficaz do Altíssimo, que sempre queria e determinava assistir por graça nesta mulher, e defende-la com seu invencível braço e proteção. Tinha debaixo dos pés a lua, porque na divisão que fazem estes dois planetas do dia e noite, a noite da culpa, significada na lua, havia de ficar a seus pés, e o sol, que é o dia da graça, havia de vesti-la toda eternamente; e também, porque os minguantes da graça, que tocam a todos os mortais, haviam de estar debaixo dos pés e nunca poderiam subir ao corpo e alma, que sempre haviam de estar em crescentes sobre todos os homens e anjos; e apenas ela havia de ser livre da noite e minguantes de Lúcifer e de Adão, sem que pudessem prevalecer contra ela. E como vencidas todas as culpas e forças do pecado original e atual, as põe o Senhor nos pés em presença de todos os anjos, para que os bons a conheçam e os maus -ainda que nem todos os mistérios da visão alcançarm- temam a esta mulher, ainda antes que tenha ser.

99. A coroa de doze estrelas, claro está, são todas as virtudes que haviam de coroar a esta rainha dos céus e terra; mas o mistério de ser doze foi pelas doze tribos de Israel, aonde se reduzem todos os eleitos e predestinados, como os assinala o evangelista no cap. 7 do Apocalipse (Ap., 7, 4-8). E porque todos os dons, graças e virtudes de todos os escolhidos haviam de coroar a sua rainha em grau superior e eminente excesso, se lhe põe a coroa de doze estrelas sobre sua cabeça.

100. Estava grávida, porque na presença de todos os anjos, para alegria dos bons e castigo dos maus que resistiam a divina vontade e a estes mistérios, se manifestasse que toda a santíssima Trindade havia elegido a esta maravilhosa mulher por Mãe do Unigênito do Pai. E como esta dignidade de Mãe do Verbo era a maior e principio e fundamento de todas as excelências desta grande senhora e deste sinal, por isso se lhes propõem aos anjos como depósito de toda a Santíssima Trindade, na Divindade e Pessoa do Verbo humanado; pois, pela inseparável união e existência das pessoas pela indivisível unidade, não podem deixar de estar todas as três pessoas onde está cada uma, ainda que apenas a do Verbo era a que tomou carne humana.

103. E foi visto no céu outro sinal: viu-se um dragão grande e vermelho, que tinha sete cabeças e diz cornos e sete diademas em suas cabeças; e com a cauda arrastava a terceira parte das estrelas do céu e as lançou na terra. Depois do que está dito, se seguiu o castigo de Lúcifer e seus aliados. Porque as suas blasfêmias contra aquela assinalada mulher, se seguiu a pena de haver-se convertido de anjo belíssimo em dragão feroz e feiíssimo, aparecendo também o sinal sensível e exterior figura. E levantou com furor sete cabeças, que foram sete legiões ou esquadrões, em que se dividiram todos os que lhe seguiram e cairam; e a cada principado ou congregação destas lhe deu sua cabeça, ordenando-lhes que pecassem e tomassem por sua conta incitar e mover aos sete pecados mortais, que comumente se chamam capitais, porque neles se contém os demais pecados e são como cabeças dos bandos que se levantam contra Deus. Estes são soberba, inveja, avareza, ira, luxuria, gula e preguiça; que foram os sete diademas com que Lúcifer convertido em dragão foi coroado, dando-lhe o Altíssimo este castigo, como premio de sua horrível maldade, para si e para seus anjos confederados; que a todos foi assinalado castigo e penas correspondentes a sua malicia e haver sido autores dos sete pecados capitais.

104. Os dez cornos das cabeças são os triunfos da iniqüidade e malicia do dragão e a glorificação, e exaltação arrogante e vã que ele se atribui a si mesmo na execução dos vícios. E com estes depravados afetos, para conseguir o fim de sua arrogância, ofereceu aos infelizes anjos sua depravada e venenosa amizade e fingidos principados, maiorias e prêmios. E estas promessas, cheias de bestial ignorância e erro, foram a cauda com que o dragão arrastou a terceira parte das estrelas do céu; que os anjos estrelas eram e, se perseveraram, brilharam depois com os demais anjos e justos, como o sol, em perpetuas eternidades (Dan., 12, 3); mas lançando-os (Jds., 1, 6) o castigo merecido na terra de sua desdita até o centro dela, que é o inferno, onde carecem eternamente de luz e de alegria.

105. E o dragão esteve diante da mulher, para devorar ao Filho que tivesse. A soberba de Lúcifer foi tão desmedida que pretendeu por seu trono nas alturas (Is., 14, 13-14) e com sumo desvanecimento disse em presença de aquela assinalada Mulher: Esse Filho, que há de parir essa mulher, é de inferior natureza a minha; eu lhe tragarei e perderei e contra ele levantarei bando que me siga; e semearei doutrinas contra seus pensamentos e leis que ordene; e lhe farei perpetua guerra e contradição Mas a resposta do altíssimo Senhor foi, que aquela mulher havia de ter um Filho homem que havia de reger as gentes com vara de ferro. E este homem, continuou o Senhor, será não apenas Filho desta mulher, mas sim também Filho meu, homem e Deus Verdadeiro, e forte, que vencerá tua soberba e quebrantará tua cabeça. Será para ti, e para todos os que te ouvem e seguem, juiz poderoso, que te mandará com vara de ferro (Sal., 2, 9) e desvanecerá todos teus altivos e vãos pensamentos. E será este Filho arrebatado a meu trono, onde se assentará a minha destra e julgará, e lhe porei a seus inimigos por baixo de seus pés (Sal., 109., 1), para que triunfe deles; e será premiado como homem justo e que, sendo Deus, tem feito tanto por suas criaturas; e todos lhe conhecerão e darão reverencia e gloria (Ap., 5, 13); e tú, como o mais infeliz, conhecerás qual é o dia da ira (Sof., 1, 15) do Todo-poderoso; e esta mulher será posta na solidão, onde terá lugar preparado por mim. Esta solidão para onde fugiu esta mulher, é a que teve nossa grande rainha sendo única e só na suma santidade e isenção de todo pecado; porque, sendo mulher da comum natureza dos mortais, sobrepujou a todos os anjos na graça e dons e merecimentos que alcançou. E assim fugiu e se pôs em uma solidão entre as puras criaturas, que é única e sem semelhante em todas elas; e foi tão longe do pecado esta solidão, que o dragão não pode alcança-la de vista, desde sua concepção a pode achar. E assim a pôs o Altíssimo sozinha e única no mundo, determinou e disse: Esta mulher, desde o instante que tenha ser, ha de ser minha escolhida e única para mim; eu a eximo desde agora da jurisdição de seus inimigos e assinalo um lugar de graça eminentíssimo e único, para que ali a alimentem mil duzentos e sessenta dias.-Este número de dias havia de estar a Rainha do Céu em um estado altíssimo de singulares benefícios interiores e espirituais e muito mais admiráveis e memoráveis; e isto foi nos últimos anos de sua vida, como em seu lugar com a divina graça direi (Cf. Infra p. III, Libro VIII, cap. 8 e 11) e naquele estado foi alimentada tão divinamente, que nosso entendimento é muito limitado para conhece-lo. E porque estes benefícios foram como fim onde se ordenavam os demais da vida da Rainha do Céu e o remate deles, por isso foram assinalados estes dias determinadamente pelo evangelista.



"Sempre mantém-vos unido a Santa Igreja Católica, porque somente ela pode salvar-vos, porque somente ela possui a Jesus Sacramentado, que é o verdadeiro Príncipe da Paz. Fora da Igreja Católica, não há salvação, ela vos dá o batismo, o perdão dos pecados, o Corpo, o Sangue, a Alma, e a Divindade de Jesus Cristo, concedendo-vos por tanto a vida eterna; e todos os santos sacramentos para levar uma vida de santidade." Santo Pio de Pietrelcina.