Parte 2 capítulo 10 e 11

Em que se da fim à explicação do capitulo 12 do Apocalipsis.

121. Quando a antiga serpente viu o infelicissimo lugar e estado de onde havia caido que era o céu empireo, ardia, mais em furor e invidia contaminando-se suas entranhas; e contra a Mulher, Mãe do Verbo Humanado, concebeu tal indignação, que nenhuma lingua nem humano entendimento o pode esclarecer nem ponderar; Quando se achou este dragão derrubado até os infernos com seus exércitos de maldade; e eu o direi aqui, segundo meu possível, como me tem manifestado por inteligencia.

122. Toda a semana primeira que refere ao Gênesis, em que Deus empreendia na criação do mundo e suas criaturas, Lucifer e os demonios se ocuparam em maquinar e conferir maldades contra o Verbo que se havia de humanar e contra a mulher de quem havia de nascer feito homem. O dia primeiro, que corresponde ao domingo, foram criados os anjos e lhes foi dada lei e preceitos de que deviam obedecer; e os maus desobedeceram e traspassaram os mandatos do Senhor; e por divina providencia e disposição sucederam todas as coisas que acima foram ditas, até o segundo dia pela manhã correspondente a segunda, que foi Lucifer e seu exército arrojados e lançados no inferno. A esta duração de tempo corresponderam aquelas operações dos anjos, de sua criação, atuação, batalha e queda de alguns, a glorificação de outros. Ao ponto que Lucifer com seus agentes entraram no inferno, fizeram concilio nele congregados todos, que lhes durou até o dia correspondente a quinta pela manhã; e neste tempo, ocupou Lucifer toda sua sabedoria e malicia diabólica em conferir com os demonios e arbitrar como mais ofenderiam a Deus e se vingariam do castigo que lhes havia dado; e a conclusão que em suma resolveram foi que a maior vingança e agravo contra Deus, segundo o que conheciam havia de amar aos homens, seria impedir os efeitos daquele amor, enganando, persuadindo e, em quanto lhes fosse possível, compelindo aos mesmos homens, para que perdessem a amizade e graça de Deus e lhe fossem ingratos e a sua vontade rebeldes.

123. Nisto -dizia Lucifer- temos de trabalhar empregando todas as nossas forças, cuidado e ciencia; reduziremos as criaturas humanas a nosso ditame e vontade para destrui-las; perseguiremos a esta geração de homens e a privaremos do premio que lhe tem prometido; procuremos com toda nossa vigilancia que não cheguem a ver a Face de Deus, pois a nós nos tem negado com injustiça. Grandes triunfos hei de ganhar contra eles e tudo destruirei e rendirei a minha vontade. Semearei novas seitas e erros e leis contrarias as do Altissimo em tudo; eu levantarei, desses homens, profetas que dilatem as doutrinas (Act., 20, 30) que eu semearei neles e, depois, em vingança de seu Criador, os colocarei comigo neste profundo tormento; afligirei aos pobres, oprimirei aos afligidos e ao desalentado perseguirei; semearei discordias, causarei guerras, moverei umas gentes contra outras; fomentarei soberbos e arrogantes e extenderei a lei do pecado; e quando nela me tenham obedecido, os sepultarei neste fogo eterno e nos lugares de maiores tormentos aos que mais a mim se achegarem. Este será meu reino e o premio que eu darei a meus servos.

124. Ao Verbo humanado farei sangrenta guerra, ainda que seja Deus, pois também será homem de natureza inferior à minha. Levantarei meu trono e dignidade sobre a sua, vencerei e derrubarei com minha potencia e astucia; e a mulher que tem de ser sua mãe perecerá a minhas mãos; O que é para minha potencia e grandeza uma mulher? e vós, demonios, que comigo estais agravados, segui-me e obedecei-me nesta vingança, como o haveis feito na desobediencia. Fingi que amais aos homens para perde-los; servirei-os para destruir-los e engana-los; para perverte-los e traze-los a meus infernos. -Não há lingua humana que possa explicar a malicia e furor deste primeiro conciliábulo que fez Lucifer no inferno contra a linhagem humana, que ainda não era, mas sim porque havia de ser. Ali se definiram todos os vicios e pecados do mundo, dali sairam a mentira, as seitas e erros, e toda iniquidade teve sua origem daquele caos e congregação abominável; e a seu principe sirvem todos os que promovem a maldade.

125. Acabado este conciliábulo, quis Lucifer falar com Deus e Sua Majestade deu permissão a ele por seus Altíssimos juizos. E isto foi o modo que falou Satanás quando pediu facultade para tentar a Job (Job., 1, 6ss) e sucedeu o dia que corresponde a quinta; e disse, falando com o Altisimo: Senhor, pois tua mão tem sido tão pesada para mim, castigando-me com tão grande crueldade, e determinado tudo quanto tens querido para os homens, que tens vontade de criar, e quer engrandecer tanto e levantar ao Verbo humanado e com ele há de enriquecer à Mulher que tem de ser sua Mãe com os dons que lhe preves, tem equidade e justiça; e pois me tens dado licença para perseguir aos demais homens, deixa-me que também possa tentar e fazer guerra a este Cristo Deus e homem e à Mulher que tem de ser mãe sua; Dai-me permissão para que nisto execute todas minhas forças.-Outras coisas disse então Lucifer e se humilhou a pedir esta licença, sendo tão violenta a humildade em sua soberba, porque a ira e as ansias de conseguir o que desejava eram tão grandes, que a elas se rendeu sua mesma soberba, cedendo uma maldade a outra; Porque conhecia que sem licença do Senhor Todo-Poderoso nada podia intentar; e por tentar a Cristo nosso Senhor e a sua Mãe Santissima em particular, se humilhara infinitas vezes, porque temia que lhe havia de quebrantar a cabeça.

126. Respondeu o Senhor: Não deves. Satanás, pedir de justiça essa permissão e licença, porque o Verbo humanado é teu Deus e Senhor Onipotente e Supremo, ainda será juntamente homem verdadeiro, e tu es sua criatura; E se os demais homens pecarem, e por isso se sujeitarem a tua vontade, não tem de ser possível o pecado em meu Unigênito Humanado; e se aos demais fizer escravos da culpa, Cristo tem de ser Santo e Justo e segregado dos pecadores (Heb., 7, 26), aos quais se cairem levantará e redimirá; e essa Mulher, com quem tens tanta ira, ainda tem de ser pura criatura e filha de homem puro, mas já hei determinado preserva-la de pecado e tem de ser sempre minha filha, e por nenhum titulo nem direito em tempo alguem quero que tenhas parte nela.

127. A isto replicou Satanás: pois, que muito que seja santa essa mulher, se em tempo alguem não tem de ter contrario que a persiga e incite ao pecado? Isto não é equidade, nem reta justiça, nem pode ser conveniente.- Continuou Lucifer outras blasfemias com arrogante soberba. Mas o Altissimo, que todo o dispõe com sabedoria infinita, lhe respondeu: Eu te dou licença para que possas tentar a Cristo, que em isto será Exemplar e Mestre para outros, e também te a dou para que persigas a essa Mulher, mas não a tocarás na vida corporal; e quero que não sejam isentos em isto Cristo e sua Mãe, mas que sejam tentados de ti como os demais. -Com esta permissão se alegrou o dragão mais que com tudo o que tinha de perseguir a linhagem humana; e em executar determinou colocar maior cuidado, como lhe pôs, que em outra alguma obra e não confiar a outro demonio mas sim faze-lo por si mesmo. E por isto diz o evangelista:

128. Perseguiu o dragão à mulher que deu a luz ao filho varão; porque com o permissão que teve do Senhor fez guerra inaudita e perseguiu à Mãe de Deus humanado.

132. E o dragão se indignou contra a mulher; e foi fazer guerra ao restante de sua geração, que guardam os mandamentos de Deus e tem o testemunho de Jesus Cristo. Vencido este grande dragão gloriosamente em todas as coisas pela Rainha de todo o criado, e ainda prevendo antes sua confusão com este furioso tormento e de todo o inferno, se foi determinando fazer cruel guerra as demais almas da geração e linhagem de Maria Santissima, que são os fieis assinalados com o testemunho e Sangue de Cristo no Batismo para guardar seus preceitos; porque toda a ira de Lucifer e seus demonios se converteram mais contra a Igreja Santa Católica e seus membros, quando viu que contra sua cabeça Cristo Senhor nosso e sua Mãe Santissima nada podia conseguir; E sinaladamente com particular indignação faz guerra as virgens de Cristo e trabalha por destruir esta virtude da Castidade virginal, como sinal contra a castissima Virgem e Mãe do Cordeiro.

CAPITULO 11

Que na criação de todas as coisas o Senhor teve presentes a Cristo Senhor nosso e a sua Mãe Santissima e elegeu e favoreceu a seu povo, figurando estes Misterios.

134. No capitulo 8 dos Proverbios (Prov., 8, 30), diz a sabedoria de si mesma que na criação de todas as coisas se achou presente com o Altissimo. E disse acima (Cf., supra n. 54) que esta sabedoria é o Verbo humanado, que com sua Mãe Santissima estava presente, quando em sua Mente Divina determinava Deus a criação de todo o mundo; porque naquele instante não apenas estava o Filho com o Eterno Pai e o Espírito Santo em unidade da natureza Divina, mas também a humanidade que havia de tomar estava em primeiro lugar de todo o criado, prevista e ideada na mente Divina do Pai , e com a humanidade de sua Mãe Santissima que a havia de administrar de suas purissimas entranhas. E nestas duas pessoas estiveram previstas todas suas obras, de que se obrigava o Altissimo para atender -a nosso modo de falar- a tudo o que a linhagem humana podia desobrigar-lhe.

135. Olhava o Altissimo a seu Filho Unigênito humanado e a sua Mãe Santissima, como exemplares que havia formado com a grandeza de sua sabedoria e poder, para que lhe sirvesem como de originais por onde ia copiando toda a linhagem humano; e para que, assemelhando a estas duas imagens de sua Divindade, todos os demais saissem também mediante estes exemplares semelhantes a Deus. Criou também as coisas materiais necessarias para a vida humana, mas com tal sabedoria, que também algumas servissem de simbolos que representassem em algum modo aos dois objetos a quem principalmente ele olhava e elas serviam: Cristo e Maria. Por isto fez as dois luzeiros céu, sol e lua (Gén., 1, 16), que em dividir a noite e o dia se assinalassem ao Sol de justiça Cristo e sua Mãe Santissima, que é bela como a Lua (Cant., 6, 9), e dividem a luz e dia da graça da noite do pecado; e com suas continuas influencias iluminam o Sol à Lua e a todas as criaturas desde o firmamento e seus Astros e os demais até o fim de todo o universo.

137. Ao sexto dia da criação, formou (Gén., 1, 27) e criou a Adão com idade trinta e três anos, a mesma idade que Cristo havia de ter em sua morte; e tão parecido a sua Humanidade Santissima, que no corpo apenas se diferenciavam e na alma também lhe assemelhou à sua; e de Adão formou a Eva tão semelhante à Virgem, que a imitava em todas suas feições e pessoa. Olhava o Senhor com sumo agrado e benevolencia estes dois retratos dos originais que havia de criar a seu tempo; e por eles lhes deu muitas bençãos.

138. Mas o feliz estado em que Deus havia criado aos dois primeiros pais do género humano durou muito pouco, porque logo a imveja da serpente se despertou contra eles, como quem estava à espera de sua criação; ainda Lucifer não pode ver a formação de Adão e Eva como viu todas as outras coisas ao instante que foram criadas, porque o Senhor não lhe quis manifestar a obra da criação do homem, nem tampouco a formação de Eva da costela, que tudo isto o ocultou Sua Majestade por algum espaço de tempo, até que já estavam os dois juntos. Mas quando viu o demonio a compostura admiravel da natureza humana sobre todas as demais criaturas, a beleza das almas e também dos corpos de Adão e Eva, e conheceu o paternal amor com que os olhava o Senhor e que os fazia donos e Senhores de todo o criado e lhes deixava esperanças da vida eterna, aqui foi onde se enfureceu mais a ira deste dragão e não há lingua que possa manifestar a alteração com que se comoveu aquela besta fera, executando sua invidia para que lhe tirasse a vida; e como um leão o faria, se não conhecesse que lhe detinha outra força mais superior; mas conferia e arbitrava modo como os derrubaria da graça do Altissimo e os converteria contra Ele.

139 Aqui se alucinou Lucifer; porque o Senhor, misteriosamente, como desde o principio lhe havia manifestado que o Verbo havia de fazer-se homem no ventre de Maria Santissima, e não lhe declarando como e quando, por isso lhe ocultou a criação de Adão e formação de Eva, para que desde logo começasse a sentir esta ignorancia do Misterio e tempo da Encarnação. E como sua ira e desvelo estavam previstos contra Cristo e Maria, suspeitou se Adão havia saido de Eva e ela era a Mãe e ele era o Verbo humanado. E crecia mais esta suspeita no demonio, por sentir aquela virtude Divina que lhe detinha para que não lhes ofendesse na vida. Mas, como por outra parte conheceu logo os preceitos que Deus lhes pôs -que estes não lhe ocultaram, porque ouviu a conferencia que tinham sobre ele Adão e Eva- saia a pouco a pouco da dúvida e foi escutando as práticas dos dois pais e descobrindo suas naturezas, começando logo, como faminto leão, a rodea-los (1 Pe., 5, 8) e buscar entrada pelas inclinações que conhecia em cada um deles. Mas até que se desenganou de tudo, sempre vacilava entre a ira com Cristo e Maria e o temor de ser vencido por eles; e mais temia a confusão de que lhe vencesse a Rainha do céu, por ser criatura pura, e não Deus.

140. Reparando, pois, no preceito que tinham Adão e Eva, armado da enganosa mentira entrou por ela a tentar-lhes. E não acometeu primeiro ao varão mas sim à mulher, porque a conheceu de natureza mais delicado e frágil e porque contra ela ia mais certo que não era Cristo; e porque contra ela tinha suma indignação, desde o sinal que havia visto no céu e a ameaça que Deus lhe havia feito com aquela mulher. Todo isto lhe arrastou e levou primeiro contra Eva que contra Adão. E lançou muitos pensamentos ou imaginações fortes desordenadas antes de manifestár-se, para deixar-lhe turbada e prevenida. Basta saber o que dizem as Escrituras santas, que tomou forma de serpente (Gén., 3, 1) e com ela falou a Eva, travando conversação que não deveria; pois de ouvir-lhe e responder-lhe passou a dar-lhe crédito e dai a quebrar o preceito; e ao fim persuadir a seu marido que lhe quebrasse o preceito também para seu dano e o de todos, perdendo eles e nós o feliz estado em que os havia posto o Altissimo.

141. Quando Lucifer viu a queda dos dois e que a beleza interior da graça e justiça original se havia convertido na fealdade do pecado, foi incrivel o alvoroço e triunfo que mostrou a seus demonios. Mas logo o perdeu, porque conheceu quão piedosamente, e não como desejava, se havia mostrado o amor divino misericordioso com os dois delinquentes e que lhes dava lugar de penitencia e esperança do perdão e de sua graça, para o qual se disponham com o dor e contrição. E conheceu Lucifer que lhes restituia a beleza da graça e amizade de Deus; com que de novo se voltou a turbar todo o inferno, vendo os efeitos da contrição.

142. Os partos de Eva se multiplicaram depois do pecado e por ele se fez a distinção e multiplicação de bons e maus, escolhidos e réprobos; uns, que seguem a Cristo nosso Redentor e mestre; outros, a Satanás.

Os escolhidos seguem a seu Capitão por fé, humildade, caridade, paciencia e todas as virtudes; e para conseguir o triunfo são assistidos, ajudados e favorecidos com a Divina graça e dons que lhes mereceu o mesmo Senhor e Reparador de todos. Mas os réprobos, sem receber estes beneficios e favores de seu falso caudilho nem aguardar outro premio mais que a pena e confusão eterna do inferno, lhe seguem por soberba e presunção, ambição, torpezas e maldades, introduzidos pelo pai da mentira e autor do pecado.

143. Com tudo isto, a inefavel benignidade do Altissimo lhes deu sua benção, para que com ela crescisse e se multiplicasse a linhagem humana.

Mas deu permissão sua altissima providencia para que o primeiro parto de Eva levasse as primicias do primeiro pecado, no injusto Caim, e o segundo marcasse no inocente Abel ao Reparador do pecado, Cristo nosso Senhor; começando juntamente a assinalar em figura e em imitação, para que no primeiro justo se inaugurasse a lei de Cristo e sua doutrina de que todos os restantes haviam de ser discipulos padecendo pela justiça e sendo aborrecidos, e oprimidos pelos pecadores e réprobos, de seus mesmos irmãos (Mt., 10, 21). Para isto se estrearam em Abel a paciencia, humildade e mansidão, e em Caim a inveja e todas as maldades que fez, em beneficio do justo e em perdição de si mesmo, triunfando o mau e padecendo o bom; e dando principio nestes espetáculos aos que teria o mundo em seu progresso, composto das duas cidades, de Jerusalém para os justos e Babilonia para os réprobos, cada qual com seu capitão e cabeça.



"Sempre mantém-vos unido a Santa Igreja Católica, porque somente ela pode salvar-vos, porque somente ela possui a Jesus Sacramentado, que é o verdadeiro Príncipe da Paz. Fora da Igreja Católica, não há salvação, ela vos dá o batismo, o perdão dos pecados, o Corpo, o Sangue, a Alma, e a Divindade de Jesus Cristo, concedendo-vos por tanto a vida eterna; e todos os santos sacramentos para levar uma vida de santidade." Santo Pio de Pietrelcina.