Parte 3 capítulo 20 ao 25
Capítulo 20
Do que sucedeu nos nove meses do gravidez de Santa Ana, e Maria Santissima no ventre, e sua mãe naquele tempo.
315. E para melhor entender o que a esta santissima matrona sucedeu, se deve advertir que o demonio, depois que com seus maus anjos foi derrubado do céu às penas infernais, andava sempre desvelado, atento e suspeitando de todas as mulheres mais santas da lei antiga, para reconhecer se achava com aquela cuja sinal havia visto e cujos pés havia de pisarr e quebrantar a cabeça (Ap., 12, 1; Gén., 3, 15). E era tão ardente a indignação de Lucifer, que estas diligencias não as fiava a seus inferiores; mas era ajudado por eles contra algumas mulheres virtuosas, ele mesmo por si atendia e rodeava as que conhecia assinaladas as virtudes e a graça do Altíssimo.
316. Com esta malignidade e astucia prestou atenção na extremada santidade da grande matrona Ana e em tudo o que alcançava de quanto nela ia sucedendo; e ainda não pode conhecer o valor do tesouro que seu ventre encerrava, porque o Senhor lhe ocultava este e outros misterios, mas sentia contra si uma grande força e virtude que redundava de Santa Ana; e o não poder penetrar a causa daquela poderosa eficacia, lhe trazia a tempos muito turbado em seu mesmo furor. Outras vezes se quietava um pouco, julgando que aquela gravidez era pelo mesma ordem e causas naturais que os demais e que não havia nele coisa nova que temer; porque lhe dejava o Senhor alucinar-se em sua mesma ignorancia e andar mareando nas ondas soberbas de sua própria indignação. Mas com tudo isto se escandalizava seu perversissimo Espírito de ver tanta quietude na gravidez de Santa Ana e tal vez se lhe manifestava a assistiam muitos anjos; e sobre tudo lhe despeitava o sentir-se fraco em forças para resistir à bem-aventurada Santa Ana;
317. Turbado o dragão com estes receios, determinou tirar a vida se pudesse à ditosissima Ana; e se não podia conseguir, procurava ao menos que tivesse mal fim sua gravidez; porque era tão desmedida a soberba de Lucifer, pensava que fosse Mãe do Verbo Humanado, o Messias Reparador do mundo. Com esta audacia se animou a tentar a Santa Ana com muitas sugestões, espantos, sobresaltos e desconfianças da verdade de sua gravidez, representando sua larga idade. E tudo isto fazia o demonio para explorar a virtude da Santa e ver se o efeito destas sugestões abria alguma porta por onde ele pudesse entrar a saltear-lhe a vontade com algum consentimento.
318. Mas a invicta matrona resistiu estes golpes, com humilde fortaleza, paciencia, continua oração e viva fe no Senhor, com que desvanecia as táticas fabulosas do dragão e todas redundavam em maiores aumentos da graça e proteção divina; E havendo procurado primeiro derrubar a casa de São Joaquim e Santa Ana, para que com o susto se alterasse, como não o pode conseguir, porque os anjos Santos lhe resistiram, irritou a umas mulheres fracas, conhecidas de Santa Ana, para que implicassem com ela, como o fizeram com grande ira, injuriando-a com palavras muito desmedidas; e entre elas fizeram grande mofa de sua gravidez, dizendo que era embuste do demonio sair com aquilo ao cabo de tantos anos e velhice.
319. Não se turbou Santa Ana com esta tentação, antes com toda mansidão e caridade sofreu as injurias e acariciou a quem as fazia; e desde então olhou aquelas mulheres com mais afeto e lhes fez maiores beneficios. Depois incitou aqueles ruins instrumentos para que intentassem alguma vingança na pessoa e vida de Santa Ana; mas não puderam executar, porque a virtude Divina fez mais débeis e inaptas as fracas forças daquelas mulheres e nada puderam fazer contra a Santa, antes ela as venceu com amoestações e as reduziu com suas orações ao conhecimento e emenda de suas vidas.
320. Com isto ficou vencido o dragão, mas não rendido, porque logo se valeu de uma criada que servia aos Santos Casados e a irritou contra Santa Ana; de sorte que esta foi pior que as outras mulheres, porque era inimigo doméstico, e por isto mais pertinaz e perigoso.
CAPITULO 21
Do nascimento de Maria Santissima e Senhora nossa;
326 Sucediou este parto ao dia oito de setembro, cumpridos nove meses inteiros depois da concepção da alma santissima de nossa Rainha e Senhora.
327. Nasceu pura, limpa, bela e cheia toda de graças, publicando nelas que vinha livre da lei e tributo do pecado; e ainda nasceu como os demais filhos de Adão na substancia, mas com tales condições e accidentes de graças, que fizeram este nascimento milagroso e admiravel para toda a natureza. Não consentiu sua mãe que por outras mãos fosse tratada então, pelas suas a envolveu nas mantilhas, sem embaraçar-lhe o parto; porque foi livre das penas onerosas que tem de ordinario as outras mães em seus partos.
CAPITULO 22
como Santa Ana cumpriou em seu parto com o mandato da lei de Moisés, e como a menina Maria procedia em sua infancia.
345. Preceito era da lei no capitulo 12 do Levitico (Lev., 12, 5-6), que a mulher, se tivesse filha, se tivesse por impura duas semanas e permanecesse na purificação do parto sessenta e seis dias, (dobrando os dias do parto de menino); e cumpridos todos os dias de sua purificação, se lhe mandava oferecer um cordeiro de um ano pelas filhas ou pelos filhos em holocausto, e um pombo ou rolinha pelo pecado, à porta do tabernáculo, entregando ao sacerdote que o oferecesse ao Senhor e rogasse por ela e com isto ficasse limpa.
346. Passados os dias de purificação, foi Santa Ana ao templo, levando sua mente inflamada no divino ardor e em seus braços a sua filha bendita; e com a oferenda da lei, acompanhada de inumeraveis anjos, se foi à porta do tabernáculo e falou com o Sumo Sacerdote, que era o Santo Simeão; que como esteve muito tempo no templo, recebeu este beneficio e favor de que fosse em sua presença e em seus mãos oferecida a menina Maria todas as vezes que no templo foi apresentada e oferecida ao Senhor;
351. À vista de todas estas obras estava sedenta a antiga serpente, ocultando-lhe o Senhor o que não devia entender e permitindo o que convinha, para que, contradizendo a tudo o que ele intentava destruir, viesse a servir como de instrumento na execução dos ocultos juizos do Altíssimo. Fazia este inimigo muitas conjecturas das novidades que em mãe e filha conhecia; mas como viu que levavam oferenda ao templo e como pecadoras aguardavam o que mandava a lei, pedindo ao sacerdote que rogasse por elas para que fossem perdoadas, com isto se alucinou e sossegou seu furor, crendo que aquela filha e mãe estavam iguais as demais mulheres e que todas eram de uma condição, ainda mais perfeitas e santas que outras.
352. A menina soberana era tratada como os demais meninos de sua idade. Era sua comida a comúm, ainda a quantidade muito pouca, e o mesmo era do sono, mas era em extremo agradavel. Naquela infancia, o semblante alegre, mas severo e com peregrina majestade, sem admitir jamais ação pueril, ainda tal vez admitia algumas caricias; mas as que não eram de sua mãe, e por isso menos medidas, as moderava no imperfeito com especial virtude e a severidade que mostrava.
CAPITULO 25
Como ao ano e meio começou a falar a menina Maria Santissima, e seus ocupações até que foi ao templo.
389. Chegou o tempo em que o silencio santo de Maria Purissima oportuna e perfeitamente se rompesse e se ouvisse em nossa terra a voz de Maria (Cant., 2, 12). Mas antes de ter licença do Senhor para começar a falar com os homens, que foi aos dezoitos meses de sua terna infancia, teve uma intelectual visão da Divindade, não intuitiva mas sim por especies, renovando as que outras vezes havia recebido e aumentando os dons das graças e beneficios. E nesta Divina visão passou entre a menina e o supremo Senhor um dulcissimo coloquio que com temor me atrevo a reduzir a palavras.
390. Disse a Rainha a Sua Majestade: Altissimo Senhor e Deus incomprensivel, como à mais inútil e pobre criatura favorecéis tanto? Como a vossa escrava, insuficiente para o retorno, inclináis vossa grandeza com tão amavel dignação? O Altissimo olha à serva? O Poderoso enriquece à pobre? O Santo dos Santos se inclina ao pó? Eu, Senhor, sou pobre entre todas as criaturas, sou a que menos merece vossos favores, que farei em vossa Divina presença? Com que darei a retribução do que vos devo?
391. O Senhor a respondeu e disse: Filha querida minha, em meus olhos achaste graça; Eu sou Deus de misericordias, e com imenso amor amo aos mortais, e entre tantos que com suas culpas me tem desobrigado, tenho alguns justos e amigos que de coração me tem servido e servem.
393. Mandou o Altissimo com grande benevolencia, que desde então todos os dias muitas vezes lhe pedisse a aceleração da Encarnação do Verbo Eterno e o remedio de todo a linhagem humana, e que chorasse os pecados dos homens, que impediam sua mesma saúde e reparação. E logo a declarou que já era tempo de que falasse com as criaturas humanas. E para cumprir com esta obediencia, disse a menina a Sua Majestade:
394. Altissimo Senhor de majestade, como se atreverá o pó a tratar misterios tão escondidos e soberanos, a que é menor entre os nacidos? E se ordenais. Senhor meu, que eu desate meus labios para tratar e falar com outros fora de vós mesmo, que sois todo meu bem, atendei, vos suplico, a minha fragilidade e perigo; muito dificultoso é para a criatura racional não exceder nas palavras; eu calaria por isto toda a vida, se fosse de vosso beneplácito, por não aventurar a perder-Vos; que se o fizesse, impossível seria viver.
395. Esta foi a resposta da menina santissima Maria, temerosa do novo e perigoso ministerio de falar que a mandavam; e quanto era de sua vontade própria, se o consentisse Deus, tinha desejo de guardar inviolavel silencio e emudecer toda sua vida.
396. Do prudentissimo recato de sua Esposa se agradou o Altissimo e foi seu coração ferido de novo com o amoroso temor de nossa menina. E Beatissima Trindade disseram aquelas palavras dos Canticos (Cant., 8, 8-9):
397. Ao mesmo tempo que, a nosso entender, passava esta conferencia entre as tres Divinas pessoas, foi nossa Rainha menina confortada e consolada em seu humilde cuidado de começar a falar; e o Senhor prometeu que governaria suas palavrasa, para que todas fossem de seu serviço e agrado. A primera palavra falou com seus pais São Joaquim e Santa Ana, pedindo-lhes a benção, como quem depois de Deus lhe haviam dado o ser que tinha. Disse sua mãe ao ouvir o som de sua voz após bendizer a Deus: Sejam vossas razões e palavras poucas, medidas e de muito peso, e vossos passos retos e endereçados ao serviço e honra de nosso Criador.
398. Ouviu a menina santissima Maria estas e outras razões que sua mãe Santa Ana a disse e escreveu-as em seu terno coração, para guarda-las com profunda humildade e obediencia.
401.Quando começou a falar, pediu com humildade a sua mãe não lhe colocasse vestido caro nem de alguma gala, antes fosse grosseiro, pobre e dado por outros, se fosse possível, e de cor pardo de cinza, qual é o que hoje usam as religiosas de Santa Clara. (Sor Agreda levava, além do hábito das Concepcionistas, o hábito das Clarissas). A mãe respondeu: filha minha, eu farei o que me pedis na forma e cor de vosso vestido; mas vossas forças de menina não poderão sofrer tão tecido grosseiro e em isto me obedecereis.
402. Não replicou a menina obediente à vontade de sua mãe Santa Ana, porque jamais o fazia;E nesta obediencia de sus pais foi excelentissima e prontissima os tres anos que viveu em sua companhia;
407. Poucos dias antes que cumprisse Maria Santissima os tres anos, teve uma visão da Divindade abstractivamente, em que lhe foi manifestado se chegava já o tempo em que Sua Majestade ordenava leva-la a seu Templo, onde vivesse dedicada e consagrada a seu serviço.