Parte 2 capítulo 12, 13 e 14
CAPITULO 12
Como, havendo se propagado a linhagem humana, cresceram os clamores dos Justos pela vinda do Messias, e também cresceram os pecados, e nesta noite da antiga lei enviou Deus ao mundo dois luzeiros que anunciassem a lei de graça.
164. Dilatou-se em grande número a posteridade e linhagem de Adão, multiplicando-se os justos e os injustos, os clamores dos Santos pelo Reparador e os delitos dos pecadores para desmerecer este beneficio. O povo do Altissimo e o triunfo do Verbo, que havia de humanar se, estavam já nas últimas disposições que a Divina vontade realizava neles para vir o Messias; porque o reino do pecado nos filhos de perdição havia dilatado sua malicia quase até os últimos términos e havia chegado o tempo oportuno do remedio. Havia aumentado a coroa e méritos dos Justos; e os Profetas e Santos Pais com o júbilo da Divina luz reconheciam que se acercava a saúde e a presença de seu Redentor e multiplicavam seus clamores, pedindo a Deus se cumprissem as profecias e promessas feitas a seu povo;
167. A felicissima Santa Ana tinha sua casa em Belém, e era donzela castissima, humilde e bela e, desde sua infancia, santa e cheia de virtudes. Teve também grandes e continuas ilustrações do Altissimo e sempre ocupava seu interior com altissima contemplação, sendo juntamente muito oficiosa e trabalhadora, com que chegou à plenitude da perfeição das vidas ativa e contemplativa. tinha noticia infusa das Escrituras divinas e profunda inteligencia de sus escondidos misterios e sacramentos; e nas virtudes infusas, fe, esperanza e caridade, foi incomparable. Com estes dons previnda orava continuamente pela vinda do Mesias, e sus ruegos foram tão aceptos ao Senhor para acelerar o paso, que singularmente lhe pode responder havia herido su coração em um de sus cabelos (Cant., 4, 9), pois sim dúvida alguma em apresurar a vinda do Verbo tiveram os merecimentos de Santa Ana altissimo lugar entre os Santos do Viejo Testamento.
168. Fez também esta mulher forte oração fervorosa para que o Altissimo no estado do matrimonio a desse companhia de esposo que a ajudasse à guarda da Divina lei e Testamento Santo e para ser perfeita na observancia de seus preceitos. E ao mesmo tempo que Santa Ana pedia isto ao Senhor, ordenou sua providencia que São Joaquim fizesse a mesma oração, para que juntas fossem apresentadas estas duas petições no Tribunal da Beatissima Trindade, onde foram ouvidas e aceitas. E logo por ordenação Divina se dispôs como Joaquim e Ana tomassem estado de matrimonio juntos e fossem pais da que havia de ser Mãe do mesmo Deus humanado. E para executar este decreto, foi enviado o Santo Arcanjo Gabriel, que se o manifestasse aos dois. A Santa Ana apareceu corporalmente estando em oração fervorosa pedindo a vinda do Salvador do mundo e o remedio dos homens; e viu ao Santo Principe com grande beleza e refulgencia, que a um mesmo tempo causou nela alguma turbação e temor com interior júbilo e iluminação de seu Espírito. Postrou-se a Santa com profunda humildade para reverenciar ao Embaixador do céu, mas ele a deteve e confortou, como a depósito que havia de ser da arca do verdadeiro maná, Maria Santissima, Mãe do Verbo eterno; porque já este Santo Arcanjo havia conhecido este misterio do Senhor quando foi enviado com esta embaixada; ainda então não o conheceram os demais anjos do céu, porque a apenas São Gabriel foi feita esta revelação ou iluminação imediatamente do Senhor. Tampouco manifestou o anjo a Santa Ana este grande sacramento por então, mas pediu atenção e disse: o Altissimo te dê sua benção, serva sua, e seja tua saúde. Sua Alteza tem ouvido tuas petições e quer que perseveres nelas e clames pela vinda do Salvador; e é sua vontade que recebas por esposo a Joaquim, que é varão de coração reto e agradavel aos olhos do Senhor, e com sua companhia poderás perseverar na observancia de sua Divina lei e serviço. -Com isto desapareceu o anjo, deixando-a ilustrada em muitos Misterios das Escrituras e confortada e renovada em seu Espírito.
169. A São Joaquim apareceu e falou o Arcanjo, não corporalmente como a Santa Ana, mas em sonhos e lhe dizia estas razões: Joaquim, bendito sejas da Divina direita do Altissimo, persevera em teus desejos e vive com retidão e passos perfeitos. Vontade do Senhor é que recebas por tua esposa a Ana, que é alma a quem o Todo-Poderoso tem dado sua benção. Cuida dela e estime-a como prenda do Altissimo e dai graças a Sua Majestade porque te a tem entregado.-Em virtude destas Divinas embaixadas pediu logo Joaquim por esposa à castissima Ana e se efetuou o casamento, obedecendo os dois à Divina disposição; mas ninguém manifestou ao outro o secredo do que lhes havia sucedido até passados alguns anos, como direi em seu lugar (Cf., infra n. 185). Viveram os dois Santos Esposos em Nazaret, procedendo e caminhando pelas justificações do Senhor; e com retidão e sinceridade, cheios das virtudes e suas obras e se fizeram muito agradaveis e aceitos ao Altissimo sem repreensão. Das rentas e frutos de sua fazenda em cada ano fazia três partes: a primeira ofereciam ao templo de Jerusalém para o culto do Senhor, a segunda distribuiam aos pobres, e com a tercera sustentavam sua vida e familia decentemente; e Deus lhes acrescentava os bens temporais, porque os despendiam com tanta largueza e caridade.
171. Previu o Senhor com benções de doçura (Sal., 20, 4) à Santa Matrona Ana, dando altíssimos dons de graça e ciencia infusa, que a dispusessem para a boa dita que a aguardava de ser mãe daquela que havia de ser Mãe do Senhor; e como as obras do Altissimo são perfeitas e consumadas, foi conseguinte que a fizesse digna mãe da criatura mais pura e que em santidade havia de ser inferior a apenas Deus e superior a todo o criado.
172. Passaram estes santos casados vinte anos sem sucessão de filhos ; coisa que naquela idade o povo tinha por mais infelicidade e desgraça, a cuja causa padeceram entre seus vizinhos e conhecidos muitos oprobios e desprezos; Porque os que não tinham filhos se reputavam como excluidos de ter parte na vinda do Mesias que esperavam. Mas o Altissimo, que por meio desta humilhação os quis afligir e dispor para a graça que lhes previnha, lhes deu tolerancia e conformidade para que semeassem com lágrimas (Sal., 125, 5) e orações o ditoso fruto que depois haviam de colher. Fizeram grandes petições do profundo de seu coração, tendo para isto especial mandato do alto, e ofereceram ao Senhor com voto expresso que, se lhes desse filhos , consagrariam a seu serviço no templo o fruto que recebessem de benção.
173. E ao fazer este oferecimento foi por especial impulso do Espírito Santo, que ordenava como antes de ser morada de seu unigênito Filho, fosse oferecida e como entregue por seus pais ao mesmo Senhor. Porque depois de conhece-la e trata-la não se obrigaram com voto particular de oferece-la ao templo, vendo-a depois tão doce e agradavel criatura não o poderiam fazer com tanta prontidão pelo veemente amor que a ela teriam.
174. Havendo perseverado um ano inteiro depois que o Senhor os mandou nestas ferventes petições, sucedeu que São Joaquim foi por Divina inspiração e mandato ao templo de Jerusalém, a oferecer orações e sacrificios pela vinda do Messias e pelo o fruto que desejava; e chegando com outros de seu povo a oferecer os dons, e oferendas em presença do Sumo Sacerdote, outro inferior, que se chamava Isacar, repreendeu asperamente ao veneravel velho Joaquim porque chegava a oferecer com os demais, sendo infecundo; e entre outras razões lhe disse: Tú, Joaquim, por que chegas a oferecer sendo homem inútil? Desvia-te dos demais e vai-te, não enojes a Deus com tuas oferendas e sacrificios, que não são gratos a seus olhos. -O Santo varão, envergonhado e confuso, com humilde e amoroso afeto, se voltou ao Senhor e lhe disse: Altissimo Deus Eterno, com vosso mandato e vontade vim ao templo; o que está em vosso lugar me despreza; meus pecados são os que merecem esta ignominia; pois a recebo por vosso querer, não desprezeis a feitura de vossas manos (Sal., 137, 8)- saiu Joaquim do templo contristado, mas pacifico e sossegado, a uma casa de campo ou granja que tinha e ali em solidão de alguns dias clamou ao Senhor e fez oração:
175. Altissimo Deus Eterno, de quem depende todo o ser e o reparo da linhagem humana, postrado em vossa Real presença vos suplico se digne vossa infinita bondade de mirar a aflição de minha alma e ouvir minhas petições e as de vossa serva Ana. A vossos olhos são manifestos todos nossos desejos (Sal., 37, 10) e, se eu não mereço ser ouvido, não desprezeis a minha humilde esposa. Santo Deus de Abrãao, Isaac e Jacob, nossos antigos Pais, não escondais vossa piedade de nós, nem permitais, que eu seja dos réprobos e desprezadas em minhas oferendas como inútil, porque não me dais sucessão.
176. Esta petição fez Joaquim em seu retiro; e no interim o Santo anjo declarou a Santa Ana como seria agradavel oração para sua alteza que lhe pedisse sucessão de filhos com o santo afeto e intenção que desejaba. E havendo conhecido a Santa Matrona ser esta a Divina vontade e também a de seu esposo Joaquim, com humilde rendimento e confiança na presença do Senhor, fez oração pelo que se lhe ordenava e disse: Deus Altissimo, Senhor meu, Criador e Conservador universal de todas as coisas, a quem minha alma reverencia e adora como a Deus verdadeiro, infinito, santo e eterno; postrada em vossa real presença falarei, ainda seja pó e cinza (Gén., 18, 27), manifestando minha necessidade e aflição. Senhor, Deus increado, fazi-nos dignos de vossa benção, dando-nos fruto santo que ofereceremos a vosso serviço em vosso templo (1 Sam., 1, 11).
CAPITULO 13
Como pelo santo arcanjo Gabriel foi evangelizada a concepção de Maria Santissima e como previu Deus a Santa Ana para isto com um especial favor.
178. Chegaram as petições dos Santos Joaquim e Ana à presença e trono da Beatissima Trindade, de onde, sendo ouvidas e aceitadas, se lhes manifestou aos Santos anjos a vontade Divina, como si -a nosso modo de entender- as três Divinas pessoas falaram com eles e lhes disseram: Determinado temos por nossa dignação que a pessoa do Verbo tome carne humana e que nela remedie a todo a linhagem dos mortais; e a nossos servos os Profetas o temos manifestado e prometido, para que eles o profetizasem ao mundo. Os pecados dos viventes e sua malicia é tanta, que nos obrigava a executar o rigor de nossa justiça; mas nossa bondade e misericordia excede a todas suas maldades e não podem elas extinguir nossa caridade. Olhemos as obras de nossas mãos, que criamos a nossa imagem e semelhança para que foram hereideros e participantes de nossa eterna gloria (2 Pe., 3, 22).
179. Conhecendo os Espíritos celestiais esta vontade e decreto do Altissimo, disse ao Santo Arcanjo Gabriel: Gabriel, ilumina, vivifica e consola a Joaquim e Ana, nossos servos, e diga-lhes que suas orações chegaram a nossa presença e seus rogos são ouvidos por nossa clemencia; prometa-lhes que receberão fruto de benção com o favor de nossa direita e que Ana conceberá e terá uma filha a quem lhe damos por nome MARIA.
180. Neste mandato do Altissimo lhe foram revelados ao Arcanjo São Gabriel muitos Misterios e sacramentos dos que pertenciam a esta embaixada; e com ela desceu do céu empireo e apareceu a São Joaquim, que estava em oração, e lhe disse: Varão justo e reto, o Altissimo desde seu Real Trono tem visto teus desejos e ouvido tuas petições e gemidos e te faz feliz na terra. Tua esposa Ana conceberá e terá uma filha que será bendita entre as mulheres (Lc., 1, 42) e as nações a conhecerão por Bem-aventurada (Mt., 1, 20). Quem é Deus eterno, increado e criador de todo, e em seus juizos retissimos, poderoso e forte, me envia a ti, porque lhe tem sido aceitas tuas obras e esmolas. E a caridade abranda o peito do Todo-Poderoso e apressa suas misericordias, que liberal quer enriquecer tua casa e familia com a filha que conceberá Ana e o mesmo Senhor a põe por nome MARIA. E desde sua infancia tem de ser consagrada a seu templo, e nele a Deus, como se o haveis prometido. Será grande, escolhida, poderosa e cheia do Espírito Santo e pela esterilidade de Ana será milagrosa sua concepção e a filha será em vida e obras toda prodigiosa. Adorai, Joaquim, ao Senhor por este beneficio, engrandece ao senhor, pois com nenhuma nação fez tal coisa. Vais dar graças ao Templo de Jerusalém e, em testemunho de que te anuncio esta verdade e alegre nova, na Porta Áurea encontrarás a tua irmã Ana, que pela mesma causa irá ao templo. E te advirto que é maravilhosa esta embaixada, porque a concepção desta menina alegrará o céu e a terra. Joaquim foi ao templo, como o haviam ordenado.
182. No mesmo tempo que sucediou isto a São Joaquim, estava a Santa Ana em altissima oração e contemplação, toda elevada no Senhor e no misterio da Encarnação que esperava do Verbo Eterno, de que o mesmo Senhor lhe havia dado altissimas inteligencias e especialissima luz infusa. E com profunda humildade e viva fe estava pedindo a Sua Majestade que acelerasse a vinda do Reparador da linhagem humana.
184. Entrou o Santo Arcanjo Gabriel em forma humana, belo e refulgente mais que o sol, à presença de Santa Ana e disse: Ana, serva do Altíssimo, anjo do Conselho de Sua Alteza sou, enviado das alturas por sua Divina dignação, que olha aos humildes na terra (Sal., 137, 6). Boa é a oração incessante e a confiança humilde. O Senhor tem ouvido teus pedidos, porque está perto dos que lhe chamam (Sal., 144, 18) com viva fe e esperança e aguardam com paciencia.A oração e esmolas abrem os tesouros do Rei onipotente (Tob., 12, 8) e lhe inclinam a ser rico em misericordias com os que lhe rogam. Tú e Joaquim tens pedido fruto de benção; e o Altissimo tem determinado dar-vos admiravel e santo e com ele enriquecer-vos de dons celestiais, concedendo muito mais do que havéis pedido. Logo se levantou e foi ao Templo de Jerusalém e encontrou a São Joaquim, como o anjo lhes havia dito a ambos. E juntos deram graças ao Autor desta maravilha e ofereceram dons particulares e sacrificios. Foram de novo iluminados da graça do Divino Espírito e, voltaram a sua casa, conferindo os favores que do Altissimo haviam recebido e como o Santo Arcanjo Gabriel a cada um singularmente havia falado e prometido de parte do Senhor que lhes daria uma filha que fosse muito bendita e bem-aventurada. E nesta ocasião também manifestaram um ao outro como o mesmo Santo anjo antes de tomar estado lhes havia mandado que os dois juntos se recebessem pela vontade divina em matrimonio. Este segredo haviam sido selado vinte anos sem comunicar um ao outro, até que o mesmo anjo lhes prometeu a sucessão de tal filha. E de novo fizeram voto de oferece-la ao Templo e que todos os anos naquele dia subiriam a ele com particulares oferendas.
186. Nunca contou a prudente matrona Ana o segredo a São Joaquim, nem a outra criatura alguma, de que sua filha havia de ser Mãe do Messias; nem o santo pai no discurso da vida conheceu mais de que seria grande e misteriosa mulher; mas nos últimos alientos, antes da morte, se o manifestou o Altíssimo, como direi em seu lugar (Cf. infra n. 669).
CAPITULO 14
Como o Altissimo manifestou aos santos anjos o tempo determinado e oportuno da concepção de Maria Santissima e os que lhe assinalou para sua guarda. 193. Justo é e devido que a Divindade de bondade infinita se deposite e se forme em materia purissima, limpa e nunca manchada com a culpa.
194. Esta dignidade de ser livre de culpa é devida e correspondente à que tem de ser Mãe do Verbo e para ela por si mesma mais estimavel e proveitosa, pois maior bem é ser santa que ser mãe; mas ao ser Mãe de Deus lhe convém toda a santidade e perfeição. E a carne, humana, de quem tem de tomar forma, tem de estar segregada do pecado; e havendo de redimir nela aos pecadores, não tem de redimir a sua mesma carne como aos demais, pois unida ela com a Divindade tem de ser redentora e por isto de antemão tem de ser preservada, pois já temos previstos e aceitados os infinitos merecimentos do Verbo nessa mesma carne e natureza. E queremos que por todas as eternidades seja glorificado o Verbo Encarnado por seu tabernáculo e gloriosa habitação da humanidade que recebeu.
196. Este foi o decreto que as tres Divinas pessoas manifestaram aos Santos anjos, exaltando a gloria e veneração de seus Santissimos, Altíssimos, investigaveis juizos.
199. Disse a Trindade Santíssima aos anjos: já sabéis como a antiga serpente, depois do sinal que viu desta maravilhosa mulher, anda rodeando a todas; e desde a primeira que criamos, persegue com astucia e ataques as que conhece mais perfeitas em sua vida e obras, pretendendo encontrar entre todas à que tem de quebrantar sua cabeça. E quando atento a esta purissima e inculpavel criatura a reconhecer tão santa, porá todo seu esforço em persegui-la segundo o conceito que dela fizer. A soberba deste dragão será maior que sua fortaleza (Is., 16, 6), mas nossa vontade é que desta nossa cidade Santa e Tabernáculo do Verbo Humanado tenhais especial cuidado e proteção, para guarda-la, assisti-la e defende-la de nossos inimigos e para ilumina-la, conforta-la com digno cuidado e reverencia enquanto for viadora entre os mortais.
200. A esta proposição que fez o Altissimo aos Santos anjos, todos com humildade profunda, como postrados ante o Real Trono da Santissima Trindade, se mostraram rendidos e prontos a seu Divino mandato. E cada qual com santa vontade desejava ser enviado e se oferecia a tão feliz ministerio e todos fizeram ao Altissimo hinos de adoração e cantar novo, porque chegava já a hora em que viam o cumprimento do que com ardentíssimos desejos haviam por muitos séculos suplicado. Conheci nesta ocasião que, desde aquela batalha que São Miguel teve no céu com o dragão e seus aliados e foram arrojados as trevas sempre eternas, ficando os exércitos de São Miguel vitoriosos e confirmados em graça e gloria, começaram logo estes santos Espíritos a pedir a execução dos misterios da Encarnação do Verbo que ali conheceram; E nestas petições repetidas perseveraram até a hora que lhes manifestou Deus o cumprimento de seus desejos e pedidos.
201. Por esta razão os Espíritos celestiais com esta nova revelação receberam novo júbilo e gloria acidental e disseram ao Senhor: Altissimo Senhor e Deus nosso, digno sois de toda reverencia, adoração e gloria eterna; e nós somos tuas criaturas criadas por tua Divina vontade. Enviai-nos, Senhor poderosissimo, à execução de tuas maravilhosas obras e Misterios, para que em todos e em tudo se cumpra teu justissimo beneplácito. Com estes efeitos se reconheciam os celestiais principes por inferiores e, se possível fosse, desejavam ser mais puros e perfeitos para serem dignos de guarda-la e servi-la.
202. Determinou logo o Altissimo e assinalou quem haviam de ocupar-se em tão alto ministerio e dos nove coros elegeu de cada um cento, que são novecentos. E logo assinalou outros doze para que mais perto a assistissem em forma corporal e visivel; e tinham sinais ou divisas da redenção; e estes são os doze que refere o capitulo 21 do Apocalipsis (Ap., 21, 12) que guardavam as portas da cidade, e deles falarei na declaração daquele capitulo que porei adiante (Cf. infra n. 273). Fora destes assinalou o Senhor outros dezoito anjos dos mais superiores, para que subissem e descenssem por esta escala mistica de Jacob com embaixadas da Rainha a Sua Alteza e do mesmo Senhor a ela; porque muitas vezes os enviava ao eterno Pai para ser governada em todas suas ações pelo Espírito Santo, pois nenhuma fez sim seu Divino beneplácito e mesmo nas coisas pequenas procurava saber.
203. Sobre todos estes Santos anjos assinalou e nomeu o Altissimo outros setenta serafins dos mais supremos e próximos ao Trono da Divindade, para que conferissem com a Princesa do céu e a comunicassem, pelo mesmo modo que eles mesmos entre si comunicam e falam e os superiores iluminam aos inferiores. E este beneficio lhe foi concedido à Mãe de Deus, ainda era superior na dignidade e graça a todos os serafins, porque era viadora e em natureza inferior. E quando alguma vez se lhe ausentava e escondia o Senhor, como adiante veremos (Cf. infra n. 678 e 728), estes setenta serafins a ilustravam e consolavam e com eles conferia os afetos de seu ardentissimo amor e suas ansias pelo tesouro escondido. O número de setenta neste beneficio teve correspondencia aos anos de sua vida santissima, que foram setenta anos, como direi em seu lugar (Cf. p. III n. 742).
204. Estes principes e capitães esforçados foram assinalados para guarda da Rainha do céu entre os mais supremos dos ordens hierarquicas; porque, naquela antiga batalha que houve no céu entre os Espíritos humildes contra o soberbio dragão, foram como assinalados e armados cavaleiros pelo Supremo Rei de todo o criado, para que com a espada de sua virtude e palavra Divina lutassem e vencessem a Lucifer com todos os apostatas que lhe seguiram. E porque nesta grande luta e vitoria se aventajaram estes supremos Serafins no zelo da honra do Altíssimo, como capitães esforçados e destros no amor divino, e estas armas da graça lhes foram dadas por virtude do Verbo humanado, cuja honra, como de sua cabeça e Senhor, defenderam, e com ela juntamente a de sua Mãe Santissima, por isto diz que guardavam o tálamo de Salomão e lhe faziam escolta (Cant., 3, 8), e nela a humanidade de Cristo Senhor concebido no tálamo virginal de Maria de seu purissima sangue e substancia.
205. Os outros dez Serafins que restam para cumprir o número de setenta, foram também dos superiores daquela primeira ordem que contra a antiga serpente manifestaram mais reverencia da Divindade e humanidade do Verbo e de sua Mãe santissima; E todos eles juntos fazem número de mil anjos, entre serafins e das demais ordens; com que esta cidade de Deus ficava superabundantemente guarnecida contra os exércitos infernais. Foi assinalado o Santo Principe Gabriel, para que do Eterno Pai descesse os legados e ministerios que tocassem à Princesa do céu. E isto foi o que ordenou a Santissima Trindade para sua defensa e custodia.
CAPITULO 15
Da Concepção Imaculada de Maria Mãe de Deus pela virtude do poder divino.
210. Tinham os pais, quando se casaram, santa Ana vinte e quatro anos e Joaquim quarenta e seis. Passaram se vinte anos depois do matrimonio sem ter filhos e assim tinha a mãe, ao tempo da concepção da filha, quarenta e quatro anos, e o pai sessenta e seis. Foi por ordem comum das demais concepções, mas a virtude do Altissimo tirou o imperfeito e desordenado e lhe deixou o necessário e preciso da natureza, para que se administra-se a materia devida de que se havia de formar o corpo mais excelente que houve em pura criatura.
213. O modo de reparar a esterilidade da santa Ana, foi restituindo o natural temperamento que lhe faltava à potencia natural para conceber, para que assim restituido concebesse como as demais mulheres sem diferença; mas o Senhor concurriou com a potencia estéril com outro modo mais milagreso, para que administrase materia natural de que se formasse o corpo. E após essa admiravel concepção,a a mãe voltou em sua antiga esterilidade para não conceber mais.
214. O milagre de conceber, Maria Santissima; foi que estiveram nisto seus pais governados com a graça, tão abstraidos da concupiscencia, que lhe faltou aqui à culpa original ou acidente imperfeito que de ordinario acompanha à materia ou instrumento com que se comunica. E este milagre reservou o Altissimo para aquela que havia de ser sua Mãe dignamente; porque sendo conveniente que no sustancial de sua concepção fosse feita pela ordem que os demais filhos de Adão, foi também convenientissimo e devido que, salvando a natureza,fosse sem o pecado original.